Conta uma parábola pós-moderna que um “crente” chegou ao seu pastor dizendo que gostaria de comprar “apenas um pouco de Jesus”, o suficiente para lhe dar um sono tranquilo à noite, mas não o perturbasse com a sorte das minorias; o suficiente para fazê-lo dormir, mas não o fizesse sofrer com os miseráveis; apenas o bastante para emocioná-lo, mas não transformá-lo; algo que lhe desse cura física, mas não cura interior. Ele queria o acolhimento do “calor de um útero”, mas sem precisar nascer de novo; desejava o suprimento do pão de cada dia, mas sem a inquietude dos que não têm o que comer. Ele dizia: “Apenas um pouco de Jesus me bastaria”.
O “crente” queria o suficiente para proteger a sua casa e os seus bens, mas não o deixasse perplexo com a situação dos que dormiam debaixo das pontes. Um pouco de Jesus bastaria, o suficiente para lhe abrir as portas do céu, mas não lhe exigisse abrir os olhos para ver a maldade do seu próprio coração. E concluiu: “Pastor, por favor, dê-me apenas um pouco de Jesus”.
Infelizmente, como Jesus está sendo reduzido a estereótipos consumistas, alguns querem “apenas um pouco de Jesus”, não Ele todo; uma relação de consumo, não de comunhão íntima. Porém, o tanto que alguém terá de Jesus dependerá sempre do quanto se entregar a Ele.
Acredito piamente que o Evangelho de Cristo é a resposta de Deus ao problema existencial do ser humano. Creio que o próprio Cristo é a resposta ao enigma da vida em qualquer área que se pense. Porém, temos presenciado mudanças substanciais na mensagem cristã que é pregada e vivida hoje: uma mensagem sem compromisso, utilitária, de consumo, na qual Jesus é reduzido à categoria de um mordomo celestial das coisas de que precisamos.
Por isso, é fácil deduzir que alguns não querem Jesus, apenas desejam os benefícios que Ele pode proporcionar. Não o buscam pelo que Ele é, mas pelo que oferece. O egoísmo fez com que algumas pessoas tirassem Jesus do centro do Universo, de modo que não o buscam porque de fato o desejam, mas por entenderem que Ele é imprescindível para a realização de seus projetos pessoais. Assim, preocupa-me ainda mais que certos “crentes” queiram apenas um pouco de Jesus, o suficiente para ficarem “de bem com a vida”.
Sem pretensões de sermos “palmatória do mundo”, contudo, precisamos questionar o modo como certas pessoas tratam as coisas de Deus. Algumas perguntas honestas exigem respostas coerentes. Que tipo de evangelho queremos, um que nos deixe com o astral elevado, mas sem custar nada; que evite falar de sacrifício, renúncia, perdas, mas trate somente do sucesso? Queremos um evangelho cuja espiritualidade seja indolor e sem sacrifício, sem nos deixar nenhuma marca? Queremos uma vida inodora, sem o bom cheiro de Cristo, para não sermos incômodos nem incomodados?
O apóstolo Paulo fez uma das mais bombásticas declarações a respeito de o Evangelho de Cristo ser pregado, não importando o meio utilizado ou a motivação do pregador. Ele estava tendo sérios problemas porque certas pessoas pregavam a Cristo “por discórdia, insinceramente, julgando suscitar tribulação” às suas cadeias. Outros “proclamavam a Cristo por inveja e porfia”. Mas Paulo acrescentou que alguns, porém, o faziam motivados pela “boa vontade, por amor”. Ele indicou, então, que também se regozijava “uma vez que Cristo, de qualquer modo, está sendo pregado, quer por pretexto, quer por verdade” (Fp 1.15-18).
O que Paulo afirmara há vinte séculos, ainda carrega um forte componente profético, pois hoje ocorre a mesmíssima situação. Isto é preocupante, não somente porque a mensagem do Evangelho está sendo diluída, mas também porque a própria maneira de vivê-la tem sido maculada. Assim, o modo como pregamos a Cristo e vivemos a Sua mensagem é comparado a realizar uma obra. O próprio Paulo ensina: “Deus já pôs Jesus Cristo como o único alicerce, e nenhum outro pode ser colocado”. Está claro, pois, que Cristo é o centro da mensagem, não outro.
Ele também fala da qualidade do material: “Alguns usam ouro ou prata ou pedras preciosas para construírem em cima do alicerce. E ainda outros usam madeira ou capim ou palha”. Ou seja, algumas vidas e mensagens são preciosas como o ouro, e outras, pobres como a palha. Mas Paulo acrescenta: “O Dia de Cristo vai mostrar claramente a qualidade do trabalho de cada um. Se aquilo que alguém construir em cima do alicerce resistir ao fogo, então o construtor receberá a recompensa” (1 Co 3.11-16).
Em Março, a Boas Novas comemora “19 anos transmitindo Jesus”, dizendo a todo o povo que Cristo é a mensagem do Evangelho, para que ninguém se acomode em querer “apenas um pouco de Jesus”, mas a plenitude da Sua bênção.
Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém